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UM SANTO ENTRE NÓS…

UM SANTO ENTRE NÓS…

Texto: João Antônio Lima, professor e historiador.

INTRODUÇÃO

Hoje, 8 de junho, comemoramos os 40 anos da visita que o Papa João Paulo II fez a nossa cidade. Tal fato, decerto marcou de modo indelével a memória do povo paraense, o que não poderia ser diferente, nossa cidade marcada desde sua “fundação” e expansão sob o signo da Cruz de Cristo, passava a ver esta mesma cruz ostentada no peito pelo seu vigário na terra. O Forte do Presépio, do século XVII, parece que profetizava que assim como os pastores acorreram a Belém de Judá para encontrar Jesus na manjedoura, do mesmo modo nosso grande pastor na terra acorreria a nossa cidade escutando e atendendo ao apelo de “vir a Belém”. Deste modo, achei por bem escrever estas breves palavras, em vista de aqueles que viveram este dia e os que não viveram, dentre os quais me incluo, possam ser de algum modo transportados para aquela realidade, e também receber dela a força para continuarem na barca guiada pelo sucessor de Pedro.

ANTECEDENTES

Quando se confirmou a vinda do Papa ao Brasil, logo se imaginou que este visitaria apenas as principais cidades, pois assim o tinha feito em viagens precedentes, como por exemplo, aos Estados Unidos da América e a França. Dentre as cidades brasileiras, algumas tinham como certa a visita do papa pelas seguintes razões: Rio de Janeiro, pois se comemorava 25 anos do CELAM; São Paulo, pela Sagração da Basílica de Aparecida; Fortaleza,para a abertura do X Congresso Eucarístico Nacional; Salvador, por ser a sede primacial do Brasil; e Porto Alegre, por lá ser uma grande celeiro de vocações. Além destas cidades, algumas outras eram propostas, dentre as quais não se incluía Belém. Por outro lado, chegou ao conhecimento de D. Alberto Ramos, então arcebispo metropolitano, a notícia de que o santo padre tinha manifestado interesse pela Amazônia e pelos povos indígenas, fato que acendeu as esperanças de vinda do pai da cristandade para nossas terras.

Motivados por tais questões, e a exemplo daqueles que desejavam receber o papa em suas dioceses, todos os bispos do Pará redigiram uma carta convidando o papa a incluir Belém no seu itinerário, cuja carta transcrevo:

Beatíssimo Padre.

Despertou sentimentos do mais vivo entusiasmo, a notícia de que Vossa Santidade deseja visitar este imenso país católico, no próximo mês de julho. Incalculáveis serão os frutos dessa presença do pai comum da cristandade, neste país cheio de contrastes, e variadíssimas regiões.

Na elaboração do itinerário, ousamos sugerir a inclusão da região amazônica, que abrange quase dois terços do território brasileiro e que atualmente é alvo de cobiça internacional e de problemas paradoxais, deixando de ser o”pulmão do globo”, o maior complexo florestal do mundo, para ser penetrada pelas estradas, pela devastação de suas matas, a exploração de minérios e a implantação da pecuária que leva ao desalojamento injusto dos antigos posseiros ou agricultores.

Tomamos, por isso, a liberdade de convidar Vossa Santidade a incluir no roteiro, Belém, a principal cidade da Amazônia, (Nossa Senhora de Belém do Grão Pará), metrópole eclesiástica e civil, com cerca de um milhão de habitantes, ponto de partida da evangelização, e sede do mais celebre santuário de devoção mariana no norte do Brasil, a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré.

A poucos quilômetros do aeroporto, Vossa Santidade poderia dirigir, na Colônia de Marituba, uma palavra de conforto aos irmãos hansenianos, ameaçados de serem dispersados para serem mesclados à população, sem a devida preparação.

Belém possui um lindo e verdejante trecho da floresta, o “Bosque Rodrigues Alves”, onde, numa clareira poderiam ser reunidos os chefes (tuxauas) das principais tribos indígenas do Brasil, para dialogarem com Vossa Santidade.

Ao longo das amplas avenidas, sombreadas pelos túneis de mangueiras, o povo de Belém, acrescido pelos habitantes do Estado do Pará e do norte de Maranhão, Piauí e Goiás receberia a bênção do primeiro Pontífice a pisar o solo amazônico.

Esperando que Vossa Santidade ouça os pastores da Província Eclesiástica de Belém (Regional Norte II da CNBB) e tome a resolução de dizer “transeamus usque Betheem…” – “Vamos até Belém”, firmamo-nos obsequiosos e reverentes.

+ Alberto Ramos, Arcebispo de Belém

+ Tiago Ryan, Bispo de Santarém

+ Tadeu Prost, Bispo Auxiliar de Belém

+ Angelo Frosi, Bispo Prelado de Abaetetuba

+ Alquilio Alvares Diaz, Bispo Prelado de Marajó

+ Alano Pena, Bispo Diocesano de Marabá

+ Angelo Rivato, Bispo de Ponta de Pedras

+ Patrício José Henrahan, Bispo de Conceição do Araguaia

+ Martinho Lammers, Bispo de Óbidos

+ José Maritano, Bispo de Macapá

Mons. Henrique Riemslag, Administrador Apostólico de Cametá

Mons. Miguel Giambelli, Administrador Apostólico do Guamá

Enquanto algumas cidades, aquelas tidas como certas, já se preparavam para a vinda do Papa, Belém ainda indefinida no itinerário esperava ansiosamente poder ser incluída. No dia 17 de Abril de 1980, D. Alberto Ramos na visita Ad Limina, deu maior força para a pretensão de Belém, convidando pessoalmente o papa para vir a Amazônia, e de modo particular a Belém. O santo padre manifestou atenção quanto à região e fez várias perguntas acerca dela.

A grande espera terminou quando o secretário da nunciatura convocou D. Alberto para uma reunião secreta no Rio de Janeiro, nesta reunião, estavam presentes altos dignitários da Igreja e membros do ministério das Relações Exteriores, lá o núncio apostólico apresentou o provável itinerário da viagem, no qual para grande felicidade do povo do Pará estava incluído o nome de Belém. Apesar de não ser o itinerário final, este já sinalizava o que mais a frente ia se confirmar.

PREPARATIVOS

Como devemos imaginar, a recepção de um papa exige grandes preparativos, quer pela grandeza de sua figura, quer pela quantidade de pessoas que o cerca nessas viagens. Deste modo, dever-se-ia preparar lugares para a acomodação do santo padre e sua comitiva, bem como organizar todo itinerário a ser percorrido por ele em nossa cidade, além da infra-estrutura necessária para tal.

Quanto à acomodação pensou-se em dois lugares, o palácio episcopal (atual Museu de Arte Sacra) e o seminário São Gaspar (atual Centro João Paulo II) que fica nas proximidades da Catedral. O Palácio Episcopal encontrava-se em péssimo estado, cheio de goteiras e infiltrações, organizou-se então uma campanha em vista de reformá-lo, cuja campanha tinha a frente D. Alberto Ramos e recebeu adesão de uma série de empresários. Esta propiciou a reforma do mesmo, cuja obra seguiu-se até a véspera da chegada do papa.

Quanto aos preparativos relacionados à infra-estrutura, o maior deles era a escolha do local para se realizar a Santa Missa, pensou-se em vários lugares os quais foram descartados pelas seguintes razões: Pista do aero clube, fechá-la significaria isolar Belém dos municípios ligados por via aérea; Estádio Mangueirão, por problemas quanto ao acesso; Praça da República e outras praças (Batista Campos, Praça Brasil), pela arborização que atrapalharia a visualização da celebração; Ceasa, problemas quanto ao acesso; Cruzamento da Dr. Freitas com a Duque de Caxias, cruzamento vital para aquela região da cidade; Entroncamento, fechá-lo significaria isolar Belém do resto do Brasil por um longo tempo. Em meio a estes problemas, decidiu-se então pelo cruzamento da Avenida 1º de Dezembro com a Barão do Triunfo, por outro lado tal escolha foi embargada por técnicos da CELPA, por lá se localizar uma sub-usina de energia elétrica, fato que ofereceria perigo a grande quantidade de pessoas que para lá acorreriam para a celebração. Decidiu-se então pelo cruzamento da Av. 1º de Dezembro com a Mauriti, neste local se montaria um altar monumento dotado de duas rampas internas e todo acarpetado no qual se celebraria a santa missa.

O GRANDE DIA

Na manhã do dia 8 de julho de 1980, D. Alberto Ramos publica a seguinte mensagem, dirigida aos seus diocesanos: 

Clemente XI, em 1719, engrinaldou a cidade de Belém, pórtico da Amazônia, com a dignidade de sede episcopal.

São Pio X enobreceu-a, em 1906, com a primazia arquiepiscopal em todo o norte e nordeste do Brasil, terceira depois de Salvador e Rio de Janeiro.

Pio XII endereçou-lhe sua palavra fulgurante e enviou-lhe um Legado Pontifício, em 1953, para presidir o VI Congresso Eucarístico Nacional e coroar a imagem bendita e querida de Nossa Senhora de Nazaré.

Paulo VI, depois de ter pisado esta terra, antes de ser eleito Papa. Falou também à gente belemense, em 1971, asseverando que “Cristo aponta para a Amazônia”.

Agora João Paulo II atende o nosso convite e vem, embora por poucas horas, à semelhança dos pastores na noite de natal, “Transeamus usque Bethlehem” “Vamos até Belém”, verificar o que sucedeu. E assim estamos vivendo momentos históricos de intensa vibração e sensibilidade.

Na recente visita que fizemos a Sua Santidade, (audiência 17/04/1980) perguntou-nos se o povo do Pará amava a Nossa Senhora. Respondemos tranqüila e seguramente: “Sim Santidade, o povo de Belém é essencialmente mariano. Suas Maiores igrejas são dedicadas a Nossa Senhora de Belém ou de Nazaré, do Carmo ou das Mercês.

Belém, é toda de Maria. Poderia adotar o lema de João Paulo II: TOTUS TUUS.

O Pará sendo “todo de Maria” é também todo do Papa.

+ Alberto Ramos, Arcebispo de Belém

RECEPÇÃO

Precisamente às 12:45h, do dia 8 de julho de 1980, abriu-se a porta do avião da Presidência da República, que ostentava o brasão pontifício. Após alguns segundos, surge a figura tão esperada, o Papa João Paulo II. Ao sair do avião, de acordo com o protocolo, cumprimenta primeiramente o comandante da base aérea, após este cumprimenta D. Alberto Ramos, em seguida o governador Alacid Nunes e sua esposa, o prefeito Loriwal Magalhães e sua esposa, e as demais autoridades incluindo, D. Tadeu Prost, bispo auxiliar de Belém.

SEMINÁRIO SÃO PIO X

O Papa, após a recepção, segue do aeroporto para o seminário São Pio X em carro fechado, sendo saudado durante todo o trajeto por milhares de pessoas que se enfileiravam nas ruas por onde passava a comitiva, ao lado do Papa estava D. Alberto Ramos, que respondia atentamente as perguntas do santo padre quanto ao clima e ao povo.

Chegando ao seminário, o papa encontrou-se com alguns sacerdotes, com os seminaristas e com um grupo de religiosas, dentre estas, se destaca o encontro com irmãs carmelitas, que três anos antes tinham sido expulsas de Moçambique. Após tal encontro, o Papa almoçou no chamado “Salão Branco” na presença de poucas pessoas, e serviu-se de uma alimentação leve.

COLÔNIA DOS HANSENIANOS DE MARITUBA

Após o almoço, repousou no quarto do reitor do seminário até às 15:30h. Sob forte sol, saiu do seminário em direção a colônia de hansenianos de Marituba. O translado se deu em um ônibus e o papa seguiu durante a viagem ao lado do motorista e de pé, para que pudesse ser visto e ver as pessoas que tão ansiosamente o esperavam. Chegou a colônia por volta das 16h, e lá se encontrou com hansenianos dos estados do Pará, Maranhão e Amapá. Da colônia de Marituba, seguiu em carro aberto para a Av. 1º de Dezembro (atual Av. João Paulo II), onde celebraria a Santa Missa. No caminho, foi saudado por milhares de pessoas que gritavam em um só coro “Viva o Papa”.

A MISSA

D. Alberto Ramos desde o início deixou claro que queria uma Missa simples, com cantos populares em vista de proporcionar uma participação mais ativa das pessoas. De fato, isto aconteceu, sua santidade oficiou sozinho a Santa Missa que começou às 18h, não havendo assim concelebração. Comungaram das mãos do Papa apenas algumas crianças pobres que viviam em internatos. O altar foi confeccionado em cedro vermelho e ostentava o brasão do papa, do mesmo modo que a cátedra doada pela diocese de Ponta de Pedras. O cálice usado tinha sido sagrado pelo Papa Pio X a pedido de D. Francisco do Rego Maia, no dia 13 de novembro de 1905. Sendo também utilizado pelo legado pontifício na abertura e encerramento do VI CEN, realizado em Belém no ano de 1953.

CATEDRAL

Depois da Santa Missa, o papa seguiu em carro fechado para a Catedral, passando no trajeto em frente à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré e sendo saudado por milhares de pessoas. Na catedral, encontrou-se com parte do clero, religiosas e benfeitores da Arquidiocese, ao término deste encontro seguiu a pé para o Palácio Episcopal saudando no caminho todos a quem pode fazê-lo, adentrou neste às 20:30h.

NO PALÁCIO EPISCOPAL

Sua última aparição pública neste dia se deu em uma das janelas do Arcebispado, janelas estas ricas em acontecimentos importantes como quando D. Romualdo de Sousa Coelho, já muito idoso, falou aos cabanos. A exemplo desta, outra janela era marcada com um acontecimento único, o papa lá aparecia para saudar o povo que se encontrava na praça D. Frei Caetano Brandão. Após isto, jantou com todos os bispos do Pará.

Desde bem cedo, no dia 9 de Julho de 1980, começaram a acorrer para a praça em frente ao arcebispado uma significativa quantidade de pessoas em vista de verem o papa, e todas gritavam a um só coro “Queremos ver o Papa, queremos ver o papa”. Vendo a quantidade de pessoas, o papa mandou buscar a imagem original de Nossa Senhora de Nazaré, para que com ela pudesse abençoar o povo que na praça se espremia. Após o café, apareceu novamente na janela e abençoou o povo com a imagem que mandara buscar.

Por fim, o último compromisso que era restrito ao clero, se deu no Salão nobre do Arcebispado, o mesmo onde no passado, mais precisamente no dia 28 de abril de 1874, D. Antônio de Macêdo Costa foi preso pelo governo imperial por defender a Igreja e sua primazia.

DESPEDIDA

O papa seguiu de ônibus para o aeroporto, passando pelas avenidas Padre Eutíquio, Serzedelo Correa, Gentil Bittencourt, José Bonifácio e Almirante Barroso, sendo no trajeto saudado por milhares de pessoas que o aguardavam a beira das ruas.

Ao chegar no aeroporto cumpriu o protocolo de despedida, e despediu-se por último de D. Alberto Ramos, que comovido agradeceu ao Santo Padre este grande presente de nos ter visitado. Então, precisamente às 7:30h, partiu com destino a Fortaleza para celebrar a abertura do X CEN.

RAMOS, D. Alberto Gaudêncio. Quatro dias com o Papa. Belém: Editora Falângola, 1985.

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